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ENTREVISTA – Semana da Mulher – Valentina Peleggi

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Valentina Peleggi

“Na Itália não existe feminino para a palavra maestro. Ainda é percebido como um papel masculino”

Valentina é regente em residência da OSESP

Valentina Peleggi é italiana, mas foi na Royal Academy of Music, em Londres, que ela se formou em regência orquestral. Em 2014 foi selecionada para um programa de masterclass durante o Festival de Inverno de Campos do Jordão, da Osesp. “Ganhei o prêmio de Regência, que consistia em atuar como regente da Osesp durante quatro semanas, no começo da temporada”, explica. Essa foi a primeira vez que ela veio ao Brasil.

Ela estava preparada para voltar para a Europa quando o regente que assumiria a orquestra na semana seguinte quebrou o pulso. Então Arthur Nestrovski faz um convite irrecusável: assumir a orquestra. Com apenas dois dias para aprender e ensaiar o programa novo, ela aceita. “Sabe aquele momento que você percebe que é decisivo?”, conta.

Sua participação foi tão marcante que, em 2015, recebeu diversos convites da Osesp para retornar ao Brasil. Em 2016 ela aceitou o convite para assumir o cargo de regente assistente por toda a temporada. No ano seguinte, ela assumiu a regência do coro da Osesp, recebe o prêmio Apca como melhor regente e, em seguida, o cargo de regente em residência, que desempenha atualmente, além de ser a professora da academia de regência.

“Se algo acontecer, e não é raro – já aconteceu em pelo menos sete programas – eu tenho que assumir. Então eu preciso estar em todos os ensaios, ajudar o maestro. É bastante trabalho”, explica Valentina.

Ouvindo a história de Valentina, parece até que as coisas são muito simples: uma garota extremamente capacitada, que se esforça, tem seu talento reconhecido e consegue uma posição de destaque. Mas não é bem assim. “Jovem e mulher em um cargo de liderança é esquisito e não só aqui no Brasil. Maestro é um papel que tem muitos estereótipos. Nós estamos acostumados com a ideia do regente homem, mais velho, aquela figura distante, intocável pela qual os músicos sentem uma mistura de medo e respeito. Para se ter uma ideia, em italiano não existe nem feminino para maestro. Ainda hoje é percebido como um papel masculino”, diz.

E, por conta desse estereótipo, ela disse que já passou por algumas situações não muito agradáveis, que Peleggi chama de “desafio do começo”. “Recentemente estava na Itália e, na primeira vez que toquei com uma orquestra profissional, no momento em que entrei no palco um dos músicos se virou, me olhou e disse ‘não toco com uma menina’. Esse é o tipo de coisa mais leve que já enfrentei. Porque esse é o começo, sabe? Cada regente deve encontrar a sua estratégia com o grupo, mas para a mulher, jovem, que precisa quebrar esse estereótipo, é ainda mais difícil. Você tem que ter uma visão da obra, da música, mas também de si mesma. Tem que ter uma força interior para que o grupo olhe para você e acredite em você. Superada essa parte, quebrado o tabu, agora vamos fazer música, vamos focar no objetivo que nos reuniu aqui”, diz.

Para Valentina, o Dia Internacional da Mulher é uma data de luta, mas também de agradecimento por tudo o que as mulheres de gerações anteriores conquistaram, inclusive na área musical já que, até pouco tempo atrás a música não era sequer uma opção séria de carreira. “Ninguém da minha família é músico profissional, mas minha bisavó, no início de 1900, morava em Roma e ela estudava canto, era fantástica. Aos 19 anos, ela fez uma audição para cantar o papel de Musetta na ópera La Boheme, de Giacomo Puccini e foi escolhida. Na apresentação o próprio Puccini estaria na platéia, você consegue imaginar isso? Mas nessa época ela estava noiva de um oficial da marina e havia uma regra que determinava que quem pertencia à marinha não poderia se casar com prostitutas. Era assim que as artistas na época eram consideradas, prostitutas. Minha vó, então, escolheu por se casar”, conta.

Ela conta que se lembra de ir na casa da bisavó quando pequena e vê-la tocar, mas nunca mais cantar. “Sempre que ela tocava o seu piano, ela se arrumava como se fosse tocar em um palco. Eu me lembro muito bem, porque ela tinha as unhas grandes e ficavam batendo nas teclas. Sabe, mulher tem que ter unha grande. Ela abdicou da carreira mas eu estou aqui hoje. Ela ficou machucada para o resto da vida. Nenhuma mulher deveria desistir dos seus sonhos por ser mulher, por não receber apoio, por não ter referências ou oportunidade. É uma frustração para uma vida inteira”.

E, justamente para que mais nenhuma mulher seja obrigada a abandonar suas aspirações é que Valentina acredita que é preciso agir. “Agradeço às mulheres de gerações anteriores à minha, inclusive à Marin Alsop, porque foi ela quem criou a bolsa para jovens regentes Taki Concordia, um programa específico para mulheres, porque são poucas. Eu vi uma pesquisa que apontava que apesar de no início da carreira musical a quantidade de meninos e meninas ser equilibrada, o percentual cai drasticamente a cada ano que passa. Isso é algo para se pensar. As coisas mudaram, mas ainda temos muito o que fazer”.

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