O Memorial da Resistência de São Paulo, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo dedicado à preservação de referências das memórias da resistência e da repressão política do Brasil republicano (1889 à atualidade), retoma sua atividades presenciais com a exposição:
Orgulho e Resistências: LGBT na ditadura.
A mostra, realizada em parceria com o Museu da Diversidade Sexual, sob a curadoria de Renan Quinalha, faz um recorte sobre as relações entre autoritarismo e diversidade sexual e de gênero.
“Para o Memorial o reconhecimento desses lugares e vozes são um importante instrumento de educação para a cidadania, uma vez que aproxima os fatos que ocorreram no passado com as permanências no
presente. Ainda que muitos direitos tenham sido conquistados e políticas públicas implementadas durante as últimas décadas, o Brasil segue entre os países que mais matam pessoas LGBTs”, afirma a coordenadora do Memorial da Resistência, Ana Pato.
Exposição
A exposição vai além de demonstrar a narrativa da repressão durante a ditadura e se volta à série de ações de resistência que surgiram, neste período, em defesa da diversidade. O público terá aceso a obras literárias, cartazes de peças de teatro, músicas, filmes, fotografias e materiais que confrontavam a censura na época, além de documentos oficiais da ditadura. Dentre os destaques estão fotografias de Vânia Toledo e um desenho inédito da cartunista Laerte Coutinho no tocante a pluralidade de gêneros.
Mesmo num contexto repressivo, a mostra aborda o movimento LGBT dando os seus primeiros passos.
Uma série de fotografias exemplifica como a sociabilidade de homossexuais e travestis era cada vez mais visível e crescente em alguns bares e boates da região central da cidade de São Paulo. A exposição atesta como, dependendo do poder aquisitivo, a comunidade LGBT se dividia. A Boca do Luxo, nas proximidades dos bairros República e Vila Buarque, era uma área frequentada por quem tinha melhores
condições. Separados pela desigualdade de renda, existia a Boca do Lixo, em Santa Ifigênia, que ficou conhecida como a maior região de prostituição da história de São Paulo. “A Boca do Lixo ocupava exatamente a região onde o Memorial está e vamos exemplificar uma série de ações repressivas que
acontecia neste local por meio de imagens de arquivos policiais, das prisões, recortes de matérias de jornais”, explica Renan.
O público poderá perceber como as prisões em massa foram instrumento do Estado para reprimir tipos sociais “indesejáveis”, baseados no ideário da moral e dos bons costumes. E o projeto curatorial reforça como essas prisões se mantiveram frequentes após o golpe de 1964 com a intenção de manter
uma espécie de “higienização moral”, sendo comumente batizadas de Operação Boneca, Operação Limpeza, Pente-Fino, Arrastão.
Nas décadas de 60 e 70, a resistência também é demonstrada no âmbito cultural, com o surgimento de uma arte considerada transgressora e de contracultura. Para a mostra, uma das referências é o grupo Secos e Molhados que tinha como vocalista o Ney Matogrosso, de aparência andrógina, e que por meio da mídia chegava a inúmeras casas brasileiras, numa clara referência a pluralidade de gêneros.
Orgulho e Resistências: LGBT na ditadura contextualiza também o surgimento de um movimento LGBT mais organizado a partir de 1978. O visitante terá acesso a imagens de atos de rua e capas de publicações das imprensas alternativa que abordavam o assunto.
Por fim, a exposição faz um paralelo ao demonstrar que mesmo com a constituição de um movimento mais organizado no fim da década de 70, muitas das reivindicações históricas do Movimento LGBT foram conquistadas bem recentemente, como a união estável e casamento homoafetivos (2011), mudança de prenome e sexo nos registros de pessoas trans (2018) e criminalização da LGBT fobia (2019). “A proposta desta exposição de conduzir e mudar o olhar para o passado diz respeito também
ao desejo de olhar para o presente, a fim de buscar meios para que uma determinada versão da moral e os bons costumes não volte a ter o mesmo peso que teve há tão pouco tempo entre nós”, afirma Renan.
Como parte do projeto de mediação da exposição, a Casa 1 – Casa de Cultura e Acolhimento LGBT foi convidada a desenvolver uma edição virtual do Instituto Temporário de Pesquisa sobre Censura. Em uma plataforma digital serão disponibilizados ao visitante materiais articulados aos eixos curatoriais da exposição, reunindo um conjunto de imagens, vídeos, áudios, textos, ilustrações e propostas de atividades.